Brasil: costumes revelam raízes dos cristãos-novos no país

Pouco lembrados na história oficial, os cristãos-novos foram judeus forçados a se converter ao catolicismo em Portugal e na Espanha, durante a perseguição religiosa promovida pela Inquisição. Muitos deles atravessaram o Atlântico em busca de sobrevivência e vieram para o Brasil, onde, mesmo sob risco, mantiveram práticas ligadas ao judaísmo em segredo — o chamado criptojudaísmo.

Ao longo dos séculos, esses hábitos permaneceram nas famílias, muitas vezes sem que seus descendentes soubessem de sua origem. São costumes domésticos e cotidianos que revelam raízes sefarditas (judeus da Península Ibérica).

Entre eles está o ato de apontar o dedo para a primeira estrela que surge no céu ao entardecer, lembrança da tradição judaica de marcar o início do sábado sagrado, o Shabat. Outro costume é varrer a casa de fora para dentro, como se simbolicamente “trouxesse bênçãos para dentro do lar”. Também se destacam restrições alimentares herdadas da antiga lei judaica, como evitar carne de porco ou não comer carne sufocada, isto é, de animais abatidos sem sangria adequada, prática relacionada à proibição bíblica de ingerir sangue.

Além disso, em várias regiões do Brasil, sobretudo no interior de Minas Gerais, Bahia e Pernambuco, ainda se relatam famílias que acendem velas às sextas-feiras, descansam nesse dia ao pôr do sol ou preparam peixes em ocasiões especiais — práticas que, embora cristianizadas com o tempo, guardam ecos claros da tradição judaica.

A presença dos cristãos-novos também pode ser identificada pelos sobrenomes sefarditas que permaneceram entre seus descendentes. Entre os mais comuns estão: Pereira, Oliveira, Fonseca, Nunes, Cardoso, Azevedo, Costa, Mendes, Lopes, Saraiva, Pinto, Henriques, Furtado, Barros, Pacheco, Sequeira e Coelho. Muitos desses nomes foram adotados para disfarçar a origem judaica, mas acabaram se tornando parte da identidade de famílias espalhadas pelo Brasil.

Historiadores apontam que os cristãos-novos tiveram papel relevante na economia colonial, atuando no comércio, na pecuária e na mineração. Seu legado porém, vai além da contribuição material: sobrevive em tradições íntimas, transmitidas de geração em geração, que hoje ajudam a compreender melhor a diversidade cultural e religiosa do país.

Para estudiosos do tema, reconhecer esses costumes é também um ato de memória. “Os cristãos-novos deixaram marcas profundas na sociedade brasileira. Muitos hábitos que pareciam apenas superstição ou tradição familiar são, na verdade, fragmentos de um judaísmo vivido em segredo”, afirma o historiador Anita Novinsky, referência no estudo da Inquisição no Brasil.