Nascido em São Fidélis, em 25 de outubro de 1950, Dom Fernando Rifan é uma das figuras mais marcantes e singulares da Igreja Católica no Brasil contemporâneo. Sem dúvidas, falamos de um personagem histórico do catolicismo romano e que merece uma pesquisa biográfica.
Formado sob a orientação de Dom Antônio de Castro Mayer, bispo de Campos e um dos principais expoentes do tradicionalismo católico no país, Rifan foi, desde o início, um sacerdote profundamente fiel à doutrina e à liturgia pré-conciliares. Homem de sólida formação e temperamento firme, destacou-se como um padre aguerrido na defesa do modelo de Igreja anterior ao Concílio Vaticano II, comprometido com a preservação da Missa Tridentina, da teologia clássica e da disciplina eclesiástica tradicional. Sua fidelidade a Dom Mayer o tornou uma referência para os setores conservadores do catolicismo brasileiro nas décadas de 1980 e 1990.
Durante esse período, Rifan foi uma das principais vozes do movimento tradicionalista de Campos, lutando para manter viva a herança litúrgica e teológica que julgava essencial à identidade católica. Atuou ao lado dos chamados “padres de Campos”, grupo que resistiu às reformas conciliares e buscou preservar a forma antiga da Missa e o espírito da Igreja de Trento. Era um tempo de combates e tensões, no qual Rifan se destacou como um defensor intransigente do modelo de igreja pré Vaticano II, profundamente convicto de que a fidelidade ao passado era condição para a continuidade da fé. Sua postura combativa, porém sempre racional, o fez ser admirado até por quem discordava de suas posições devido a sua inteligência.
Com o passar dos anos, e especialmente após sua elevação ao episcopado em 2002, Dom Rifan passou a representar um novo momento da história do conservadorismo católico no Brasil. Ao ser nomeado pelo Papa João Paulo II como bispo da recém-criada Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney, tornou-se o símbolo de uma reconciliação possível entre o mundo tradicionalista e a Santa Sé. O padre aguerrido de outrora deu lugar ao bispo moderado, consciente de que a fidelidade à Tradição não deveria significar isolamento, mas comunhão com a Igreja, na perspectiva de que o Concílio Vaticano II seria um evento na continuidade da Igreja. Aquele que antes fora combatente tornou-se, agora, mediador, um construtor de pontes entre Roma e os fiéis apegados à liturgia antiga.
Essa transformação, longe de representar incoerência, mostra uma abertura de Dom Rifan à transigência. Ele compreendeu que a Missa Tridentina poderia coexistir harmoniosamente com a obediência ao Papa, e que a verdadeira Tradição não se opõe à autoridade, mas se apoia nela. Desde então, tem sido um símbolo de equilíbrio dentro da Igreja, mostrando que é possível viver o catolicismo tradicional sem cair no cisma, mesmo nos pontificados mais reformistas, como os anos do papa Francisco. Sua atuação pastoral, marcada pela serenidade e pela diplomacia, fez dele uma figura de respeito tanto em Roma quanto no Brasil.
Dom Rifan também se tornou um personagem peculiar dentro da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), instituição de perfil majoritariamente progressista. Em meio a um ambiente frequentemente identificado com posições teológicas e sociais de centro-esquerda, ele conseguiu manter sua identidade tradicional, praticando uma pastoral fiel à liturgia e à moral católicas clássicas. Essa convivência, nem sempre fácil, revelou sua capacidade de diálogo e seu desejo de manter a unidade da Igreja mesmo diante das divergências. Apesar de críticas vindas de setores ultraconservadores, que o acusam de ter se “brandado” demais, sua moderação se tornou um testemunho vivo de fidelidade inteligente e de realismo eclesial.
Por tudo isso, Dom Fernando Arêas Rifan é um marco na história do catolicismo brasileiro e ocidental, desde padre combativo a bispo conciliador. Ele neste momento viaja para Roma para se encontrar com o papa Leão XIV e sua trajetória expressa o drama e a esperança do catolicismo contemporâneo – preservar o passado sem romper com o presente.
Sua aposentadoria encerra um ciclo, mas deixa um legado de rara importância, o de provar que é possível ser tradicional e obediente, conservador e fiel à comunhão. O seu sucessor, seja bispo ou padre, herdará uma missão difícil, mas grandiosa. Continuar a testemunhar que, entre o zelo pela Tradição e a obediência a Roma, há um caminho de fidelidade e sabedoria que Dom Rifan trilhou com coragem, fé e prudência.
Autor: Vinícius Couzzi Mérida, Professor Doutor em História










