Hoje, mais de 130 anos depois, a “Proclamação” da República ainda suscita debates. Afinal, embora alguns defendam a aplicação do modelo republicano para o Brasil, diversos historiadores discutem a legitimidade de uma República fundada com base em um golpe.
“A proclamação foi um golpe de uma minoria escravocrata aliada aos grandes latifundiários, aos militares, a segmentos da Igreja e da maçonaria. O que é fato notório é que foi um golpe ilegítimo“, afirma o Deputado Federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança, tataraneto de D. Pedro 2º, o último imperador brasileiro.
A ideia de que a Proclamação da República foi um “golpe” também é engrossada pelo historiador José Murilo de Carvalho, que escreveu um livro sobre os períodos monárquico e republicano do Brasil: O Pecado Original da República. Um dos intelectuais mais respeitados no país, Murilo também admite que é possível discutir a legitimidade do processo, como reivindicam os monarquistas atuais.
“Para se sustentar (a reivindicação de legitimidade da proclamação), ela teria que supor que a minoria republicana, predominantemente composta de bacharéis, jornalistas, advogados, médicos, engenheiros, alunos das escolas superiores, além dos cafeicultores paulistas, representava os interesses da maioria esmagadora da população ou do país como um todo. Um tanto complicado“, avalia.
Ainda de acordo com Murilo, não apenas foi um golpe, como também não contou com a participação popular, o que fortalece o argumento de ilegitimidade apresentado pelos atuais monarquistas. Para ele, a distância da maior camada da população das decisões políticas é um problema que perdura até hoje.
“Embora os propagandistas falassem em democracia, o pecado foi a ausência de povo, não só na proclamação, mas pelo menos até o fim da Primeira República. Incorporar plenamente o povo no sistema político é ainda hoje um problema da nossa República. Pode-se dizer que as condições do país não permitiram outra solução e que os propagandistas eram sonhadores. Muitos realmente eram“, conta.
Especialista no período, o jornalista e historiador José Laurentino Gomes, autor da trilogia 1808, 1822 e 1889, concorda com a leitura do “golpe“. Para ele, no entanto, o debate sobre a legitimidade da República é sobre “quem legitima o quê“, o que está ligado ao processo de consolidação de qualquer regime político. “O termo ‘legitimidade’ é muito relativo. Depende do que se considera o instrumento legitimador da nossa República. Se ele for o voto, ela não é legítima, porque o Partido Republicano nunca teve apoio nas urnas. Agora, se considerar esse instrumento a força das armas, foi um movimento legítimo, porque foi por meio delas que o Exército consolidou o regime“, diz.
Para Laurentino, a questão envolve a luta pelo direito de nomear os acontecimentos históricos que, no caso dos republicanos, conseguiram emplacar a ideia de “proclamação” e não de “golpe”.
“O que aconteceu em 1889, em 1930 e em 1964 é a mesma coisa: exército na rua fazendo política. Depende de quem legitima o quê. O movimento de 1964 não foi legitimado pela sociedade, mas a revolução de 1930 o foi (…). A proclamação é contada hoje por quem venceu“, argumenta.
Segundo José Murilo de Carvalho, é possível afirmar que a proclamação foi obra quase totalmente dos militares, assim como conta o jornalista Laurentino Gomes em seu livro 1889. “Só poucos dias antes do golpe é que líderes civis foram envolvidos“, explica Murilo.
Orleans e Bragança expressa uma alternativa que já existe há algum tempo entre um grupo de historiadores. O maior expoente do grupo é o professor Armando Alexandre dos Santos, da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul). Frequentemente convidado pela Casa Real para palestras e eventos, ele foi amigo pessoal de D. Luiz Gastão de Orleans e Bragança – que teria sido imperador do país caso fossemos uma monarquia.
Para Santos, a República representou a instauração de uma ditadura jamais vivida até então no Brasil. “Foi uma quartelada de uma minoria revoltosa de militares que não teve nenhum apoio popular. A própria proclamação foi um show de indecisões: Deodoro da Fonseca, por exemplo, só decidiu proclamá-la porque foi pressionado pelos membros do seu grupinho que precisavam de um militar de patente para representá-los. Foi, acima de tudo, um modismo, uma imitação servil dos EUA“, argumenta.










