Estado: Dom Rifan se reúne com o Papa Leão XIV

Estado: Dom Rifan se reúne com o Papa Leão XIV

Um encontro de grande relevância para a Igreja Católica no Brasil, aconteceu no último dia 15 de novembro. O Papa Leão XIV recebeu, no Palácio Apostólico, Dom Fernando Arêas Rifan, Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney. A audiência ocorreu dias após o bispo completar 75 anos, idade na qual, conforme determina o Código de Direito Canônico, todo bispo deve apresentar sua renúncia. Embora protocolar, o encontro ganhou peso especial devido à trajetória singular de Dom Rifan no cenário eclesial contemporâneo e ao papel estratégico da Administração Apostólica na vida da Igreja.

Ao final da reunião, Dom Rifan declarou apenas que a audiência havia sido positiva, mantendo a discrição característica das tratativas que envolvem a alta cúpula da Igreja. Contudo, em nota enviada posteriormente à imprensa, o bispo detalhou que o encontro foi “cordial e auspicioso”, com trinta minutos de duração, e serviu para reafirmar a plena comunhão da Administração Apostólica com a Sé de Pedro, explicar sua história e discutir o futuro de sua missão pastoral.

Dom Fernando Rifan tornou-se, ao longo de décadas, uma das figuras mais influentes do catolicismo brasileiro e um nome de referência internacional no universo da tradição litúrgica. Padre proeminente da diocese de Campos, herdeiro espiritual de Dom Antônio de Castro Mayer e defensor da hermenêutica da continuidade proposta por Bento XVI, Rifan construiu sua autoridade justamente no ponto mais sensível do debate eclesial: a relação entre a liturgia tridentina, o movimento tradicionalista e a plena comunhão com o Vaticano. Sua inteligência pastoral, equilíbrio teológico e capacidade de articulação fizeram dele um dos mais importantes conciliadores entre os fiéis da liturgia antiga e a Santa Sé — um papel raro em um ambiente marcado por polarizações, tensões ideológicas e diversas interpretações do Concílio Vaticano II.

Durante a audiência, Dom Rifan apresentou ao Papa um relato detalhado sobre a criação da Administração Apostólica, instituída por São João Paulo II em 2002 como um gesto histórico de pacificação entre Roma e os padres de Campos, que durante anos haviam vivido em um estado de separação. Entregou ao Pontífice documentos da própria Santa Sé, livros e artigos de sua autoria, expondo com clareza o itinerário teológico e espiritual do grupo: de uma fase de resistência ao reconhecimento de que a comunhão com a Igreja é essencial para a autenticidade da fé.

O bispo relatou ao Papa Leão XIV que a Administração Apostólica mantém firme adesão à Cátedra de Pedro e plena comunhão com o bispo diocesano e com os demais prelados do país. Explicou, ainda, o funcionamento do Seminário, a triagem de vocações e a atuação missionária em 11 outras dioceses com a permissão ou pedido dos bispos locais, o que demonstra o grau de integração e serviço prestado pela Administração.

A paisagem tradicionalista mundial, contudo, permanece fragmentada. Além da Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX), ainda em situação canônica irregular e que busca a revisão — ou mesmo a anulação — de partes significativas do Concílio Vaticano II, existem grupos da Resistência, como o antes liderado por Richard Williamson, e segmentos sedevacantistas que consideram ilegítimos todos os Papas desde 1958. Esses grupos se multiplicam em ordenações e divisões internas, e muitas vezes atacam duramente os padres da Administração Apostólica por sua fidelidade à Igreja. Nesse cenário global de instabilidade, os sacerdotes de Campos optaram pela via da comunhão e da obediência — escolha rara, corajosa e profundamente eclesial.

É essa escolha que faz da figura de Dom Rifan um símbolo de unidade entre tradição e comunhão. A Administração Apostólica, única jurisdição brasileira dedicada integralmente à Forma Extraordinária do Rito Romano, tornou-se referência de pacificação e prova concreta de que é possível preservar a espiritualidade tridentina sem romper com Roma. Outros prelados, como o cardeal Raymond Burke, que continua celebrando a Missa Tridentina no Vaticano, reforçam essa perspectiva, demonstrando que a espiritualidade tradicional mantém espaço legítimo e reconhecido na Igreja universal.

Ao Papa, Dom Rifan explicou a necessidade da continuidade da Administração Apostólica e a importância de ser nomeado um sucessor que preserve esse caminho de comunhão. Reiterou que não pediu privilégios, apenas a bênção do Pontífice, e citou a oração de São Martinho: “Senhor, se ainda sou necessário ao vosso povo, não recuso o trabalho.” A audiência terminou com ambos recitando juntos a tradicional oração pela proteção do Papa: Dominus conservet eum et non tradat eum in manibus inimicorum eius.

Sobre sua renúncia, Dom Rifan afirmou não se considerar necessário nem insubstituível, reconhecendo que a decisão final caberá ao Papa, que realiza amplas consultas antes de qualquer nomeação episcopal. O processo envolve a participação da Nunciatura Apostólica, comandada por Dom Giambattista Diquattro, e do Dicastério para os Bispos, presidido pelo Arcebispo Filippo Iannone. A escolha, portanto, ultrapassa a dimensão local e terá impacto direto no futuro da liturgia tridentina em comunhão com Roma.

Estamos nas mãos do Espírito Santo e da Igreja”, disse Dom Rifan ao Papa, citando uma frase atribuída a Leão XIV quando ainda era cardeal. Encerrando sua nota, o bispo convidou os fiéis à oração: “Rezemos para que o Papa faça o que for melhor para o futuro da nossa Administração Apostólica, para o bem da Igreja e para a glória de Deus. Deus provê, Deus proverá. Sua misericórdia não faltará.

Enquanto a decisão é aguardada, uma certeza permanece: a figura de Dom Fernando Rifan se consolidou, no Brasil e no mundo, como o maior conciliador entre as correntes tradicionalistas e a Santa Sé, testemunhando com serenidade que fidelidade litúrgica e comunhão eclesial não apenas são possíveis, mas necessárias para o futuro da Igreja.

Autor: Vinícius Couzzi Mérida, Professor Doutor em História

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