A crise diocesana de Campos dos Goytacazes, no norte do estado do Rio de Janeiro, é um dos episódios mais singulares da história da Igreja Católica no Brasil pós-Concílio Vaticano II. Essa crise teve início na década de 1960, com a resistência do então bispo diocesano, Dom Antônio de Castro Mayer, às reformas propostas pelo Concílio.
Dom Antônio, profundamente comprometido com a tradição litúrgica e doutrinal da Igreja pré-conciliar, recusou-se a implementar as mudanças litúrgicas e pastorais emanadas do Vaticano II. A negativa acabou resultando em uma divisão pastoral e eclesiológica que marcaria profundamente a vida da Diocese de Campos dos Goytacazes por décadas.
Após sua renúncia em 1981, Dom Mayer continuou exercendo forte influência sobre parte do clero e dos fiéis da diocese, formando um núcleo coeso que rejeitava a missa nova e outras diretrizes conciliares. Essa resistência culminou em sua participação, em 1988, na consagração de quatro bispos pela Fraternidade Sacerdotal São Pio X, em Ecône, na Suíça, sem autorização do Papa João Paulo II, o que levou à excomunhão dos envolvidos. A diocese de Campos, já fragilizada, passou a viver uma espécie de cisma de fato, com duas estruturas paralelas: a diocese oficial, ligada à Santa Sé, e a Administração Apostólica formada pelos padres e fiéis tradicionalistas ligados a Dom Antônio.
Foi nesse contexto de tensão e fragmentação que Dom Roberto Gomes Guimarães assumiu o governo pastoral da diocese em 1996. Seu papel foi crucial para a pacificação da situação e para a reintegração gradual de muitos fiéis à plena comunhão com Roma. Agindo com prudência, firmeza doutrinal e espírito conciliador, Dom Roberto iniciou um processo de escuta, aproximação e discernimento que visava restaurar a unidade eclesial sem apagar a rica tradição católica enraizada na diocese. Seu respeito pela sensibilidade litúrgica tradicionalista foi um fator chave para ganhar a confiança de padres e leigos ainda vinculados à postura de Dom Mayer.
Dom Roberto trabalhou com a Santa Sé na busca de uma solução canônica e pastoral viável para os tradicionalistas, o que culminaria na criação, em 2002, da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney, uma estrutura juridicamente autônoma, mas em plena comunhão com o Papa, destinada a acolher os fiéis ligados à forma extraordinária do rito romano. Essa solução inédita no mundo católico foi decisiva para restaurar a paz e a unidade na região, e Dom Roberto foi um dos grandes artífices desse processo. Sua atitude pastoral equilibrada foi reconhecida tanto por Roma quanto pelos fiéis.
A atuação de Dom Roberto Gomes Guimarães é, portanto, um marco na história do episcopado brasileiro e um exemplo de como a caridade pastoral e o respeito à tradição podem caminhar juntos. Ele conseguiu, com serenidade e fidelidade à Igreja, superar uma crise que parecia insolúvel, demonstrando que o diálogo e a comunhão eclesial são possíveis mesmo em situações de conflito doutrinário e litúrgico. Deixou um legado de reconciliação, unidade e serviço à verdade da Igreja Católica.
Autor: Professor Doutor Vinícius Couzzi Mérida
Historiador, Cientista da Religião e Professor de História, Geografia, Filosofia, Sociologia e Disciplinas Pedagógicas na Educação Básica e Ensino Superior