Matéria originalmente publicada no Diário do Rio por Quintino Gomes Freire
O sábio político mineiro Magalhães Pinto tem uma frase que é clichê na política: “Política é como nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Olha de novo e ela já mudou.” Vale citar mais uma antes de iniciar este texto, o antigo provérbio “À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta“. Ambas valem para a atual situação do governo de Cláudio Castro no Rio de Janeiro. Primeiro as mudanças nas correntezas da política fluminense, e a percepção que se tem de seu governo, não de desonesto, mas algo pior, de ineficaz, ineficiente, inoperante.
Vamos começar falando sobre as mudanças nas forças políticas. Atualmente, o Rio de Janeiro tem apenas um grupo político forte: o prefeito do Rio, Eduardo Paes, que historicamente é herdeiro do grupo de Cesar Maia. Paes, com 54 anos, é bem mais experiente politicamente do que a diferença de idade de dez anos com o governador, que tem 44 anos. Eduardo começou na Juventude Cesar Maia nos anos 90, com pouco mais de 20 anos. Ou seja, Eduardo tem de experiência política quase a idade de Castro. Eduardo foi subprefeito, vereador, deputado federal e finalmente prefeito, e criou um grupo de vereadores, deputados e assessores de confiança. Quem tem isso hoje no estado ou mesmo no país?
No Rio de Janeiro atual, há forças, especialmente de grupos como os evangélicos e a esquerda, além da potência Bolsonarista, maior que o próprio Bolsonaro. Mas nada que represente um grande grupo como na época de Picciani, Garotinho, Brizola e outros. Os partidos nem vamos contar nessa história, nem o PSOL é capaz de ter uma unidade, imagine os mais pragmáticos.
Mesmo o homem mais poderoso do Estado, o presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar, não formou seu próprio grupo. Sua base de apoio existe apenas pelo cargo que exerceu, Secretário de Governo, e hoje presidente da Casa. Parafraseando “Versos Íntimos” de Augusto dos Anjos, “A boca que te beija é a mesma que te escarra“, isso vale para Bacellar e isso vale para Castro.
Cláudio Castro foi alçado ao cargo de governador por um raro alinhamento de planetas, luas e asteroides que acontece a cada 17 mil anos. Após um mandato de menos de 2 anos como vereador, tornou-se vice-governador de um dos estados mais importantes da federação e menos de 2 anos depois, voilà, vira governador no lugar do neferibático Wilson Witzel. Ululante que não teve tempo de criar seu próprio grupo, ele era o nome do então deputado estadual Márcio Pacheco, este próprio não muito forte, na Câmara.
Ser governador do Rio não é fácil, nada fácil, aqui é Chicago de 1930, é Mad Max, é uma metrópole com ares de província, um estado no mínimo distópico. Temo pela sanidade de quem deseja governar este estado, e não invejo a posição de Cláudio Castro, não há grupos políticos aqui, há interesses não públicos, mas particulares e nada republicanos. Chegar à posição que chegou, sem nenhum apoio de confiança, é uma situação realmente complicada. Por mais que no Brasil, cidades e estados tenhamos um parlamentarismo disfarçado, em certas posições não se pode depender apenas dele ou acaba ficando refém dos próprios subalternos.
Alguns movimentos mudaram drasticamente a política do Rio de Janeiro, talvez não para a população, mas aos olhos dos operadores. O ex-governador Sérgio Cabral ter sido libertado, por exemplo, é um fato de alta relevância. Cabral continua poderoso, mesmo depois de mais de 6 anos preso, manteve-se informado dos meandros da política fluminense. Ainda antes da eleição, a indicação de Márcio Pacheco, ex-chefe de Castro, para o Tribunal de Contas do Estado do Rio acabou custando muito caro para o governador. Uma dívida de gratidão, sem dúvidas, mas que deixou aberto um flanco que é aproveitado até hoje. Devido a isso, teve de colocar Washington Reis como seu candidato a vice, cassado pelo Judiciário, e agora está lá esse nome pesado e decadente na Secretaria de Transportes.
Aqui vale ressaltar que as vagas do TCE-RJ são a maior fonte de problemas de Cláudio Castro, e por elas faz de tudo. Por um cargo dado a uma única pessoa, o governador é capaz de fazer acordos que são péssimos para o estado e seu próprio futuro político. Inclusive nas vagas futuras, onde vira um refém de cada deputado.
A junção de forças no entorno de Rodrigo Bacellar também tem de ser levada em conta, especialmente com a eleição para presidente da Casa que ele teve. Lembrando, Altineu Côrtes, presidente estadual do PL, partido de Castro e Bacellar na época, lançou Jair Bittencourt candidato para bater de frente com os dois, não deixou certo, mas ficaram cicatrizes que dificilmente serão completamente saradas.
Sem levar em conta as mudanças que podem ocorrer na Baixada Fluminense, especialmente com a perda de poder da família Reis e o surgimento de Lindbergh Farias junto de Áureo Ribeiro em Nova Iguaçu. Enquanto no Norte Fluminense, especialmente Campos, surge o problema de vereadores envolvidos em denúncias de corrupção.
O recrudescimento da violência na cidade do Rio, com a mostra de um poder nunca antes visto das milícias, também é uma mudança na política do Rio que sempre conviveu com esta facção. Vereadores e deputados já foram eleitos e todos sabiam do envolvimento com o crime organizado, mas na época havia uma visão, de certa forma, romântica do que cometiam. Isso mudou.
Neste momento, com matérias em jornais e TV de jornalistas e articulistas sérios, a impressão do governo de Cláudio Castro é da mais completa incompetência. Seja na Segurança, nas Contas Públicas, Transportes ou na administração do dia a dia, as críticas vão se tornando cada vez mais pesadas contra o governador. Que apresenta uma imagem de acuado frente às denúncias e às notícias, falta a imagem de alguém tomador de ação.
Na crise de Segurança, a ação não veio do governo do Estado, veio do Governo Federal através de uma Garantia de Lei e Ordem. Uma péssima impressão, já que quem poderá capitalizar politicamente qualquer vitória na Segurança Pública será o presidente Lula e o Ministro Flávio Dino.
A capacidade de gerir as finanças do Estado foi arrasada na mão do jornalista Carlos Andreazza, em artigo do O Globo de 14/11. No texto, comenta a situação periclitante do orçamento do Rio de Janeiro, e ao fato do governador ter de ir com pires na mão à Brasília. Isso mesmo depois da venda da Cedae com um ágio altíssimo. Andreazza termina seu texto de forma até grosseira, mas que mostra o humor de parte da sociedade com Castro: ‘Inviável, em qualquer tempo, é o governo Cláudio Castro, falido, incompetente, opaco, fraco, cada vez mais nas mãos dos donos da Alerj, desautorizado a escolher o secretário da Polícia Civil e ainda com três anos para (nos) sangrar. Esse é o nosso problema.’
Nesse momento, Cláudio Castro tem um problema sério de imagem, que políticos adversários, e mesmo aliados, vão se aproveitar, voltando a outra máxima da política, ela não tem vácuo. Primeiro é preciso reacomodar as novas forças da política do estado, e entender a necessidade de que alguns ficarão insatisfeitos. Cesar Maia já dizia que política não é futebol que se ganha de 2 a 0, mas basquete que se ganha de 98 a 95.
Escolher quem vai ter força, seja com o dinheiro das obras, anúncios e o de sempre do pragmatismo político brasileiro, é escolher quem ficará fraco também. E nessa hora é necessidade de um pulso firme, que ajudará na mudança de imagem para dentro do mundo político. Tal como tubarões, eles sentem cheiro na água e sempre estão famintos.
Para fora é preciso mostrar compromisso com um pouco de ética, é o caso de Washington Reis em uma secretaria poderosa, estratégica e com orçamento altíssimo como a de Transportes. É difícil confiar que o ex-prefeito de Caxias fará a estação de metrô da Gávea, só com um descolamento muito forte da realidade para acreditar que isso seja possível.
Olha que nem falo em diminuir o número de secretarias, entendo a necessidade de atender alguns caprichos. Mas é preciso que seja feito algo, ou o Rio de Janeiro ficará em estágio de espera até as eleições de 2026.